Monitorização ecológica dos Trilhos Pedestres da Rota Vicentina (parte 4)

10 minutos de leitura

Como minimizar os impactes negativos dos trilhos de caminhada?

No âmbito do estudo de monitorização dos trilhos pedestres da Rota Vicentina foi feita atualização da revisão bibliográfica, ou seja, consultaram-se relatórios técnicos e artigos científicos, produzidos nos últimos 10 anos, sobre impactes de trilhos pedestres. 

O estudo apresenta uma síntese dessas fontes de informação e apresenta algumas soluções para minimizar os impactes detetados.

Todos os trilhos têm algum impacte inevitável. A dimensão do impacte pode variar, mas há incidências negativas certas, como é o caso do alargamento e aprofundamento dos trilhos. 

trilhos

Assim, é importante:


  • Minimizar os impactes que se podem prever e prevenir.

  • Providenciar ações que assegurem impactes positivos que compensem os impactes negativos inevitáveis.


Os impactes dos trilhos pedestres na vegetação estão bem identificados e estudados:


  • A vegetação desaparece completamente sobre o trilho (com algumas exceções, como é o caso dos prados de gramíneas).

  • Ao lado do trilho (1 metro, em média), a vegetação pode diminuir o seu grau de cobertura ou mudar a sua composição. Podem surgir/aumentar as espécies generalistas na orla do trilho e diminuir as espécies mais sensíveis à perturbação.

  • Em solos arenosos registou-se em alguns casos o oposto – aumento do grau de cobertura, devido à compactação favorável do solo (mais capacidade de retenção de água).

  • Ocorre exposição das raízes por erosão do solo.

  • Podem surgir espécies invasoras por transporte de sementes pelo calçado dos caminhantes.

  • Pode ocorrer propagação de doenças de plantas, por exemplo fungos patogénicos.


Destes impactes descritos pela bibliografia, todos estão a ser monitorizados na Rota Vicentina com exceção dos patógenos das plantas. As metodologias usadas são as mesmas que nos estudos consultados, o que permite fazer comparações. Até ao momento, apenas a erosão com exposição de raízes no trilho teve um aumento significativo, a par com o aumento e aprofundamento do trilho em alguns segmentos dos trilhos.

Os impactes sobre a fauna não estão a ser monitorizados nos trilhos da Rota Vicentina, tal como na maior parte das rotas pedestres, com exceção de áreas sensíveis para a nidificação de rapinas ou outros casos muito particulares. De facto, os impactes sobre a fauna são difíceis de medir e têm por vezes resultados contraditórios. Os estudos existentes são sobretudo em zonas montanhosas e florestas e frequentemente para a mesma espécie são reportados impactes diferentes consoante o país, a metodologia adotada ou o parâmetro em estudo.

Normalmente os impactes sobre a fauna são de curta duração. Por exemplo, a ave deixa de se alimentar e foge, voltando pouco depois, com um dispêndio extra de energia. Contudo, foram detetados impactes duradouros quando ocorre a instalação de uma nova rede de trilhos onde não existia qualquer presença humana; nesse caso ocorreu alteração da área de caça ou reprodução de algumas espécies territoriais.

Ora a Rota Vicentina é uma rede de trilhos que teve como princípio usar caminhos e trilhos já existentes e usados pelos locais. Assim, não há introdução de perturbação por pessoas onde esta não ocorria, embora haja um aumento da frequência das passagens, obviamente.

De forma geral, quando ocorre abertura de um novo trilho onde antes não ocorria presença humana:


  • Aumenta o nível de vigilância pelos animais na proximidade e induz comportamentos de fuga com a aproximação do visitante.

  • Produz mudanças na seleção de habitat por algumas espécies e dificulta a aquisição de alguns recursos.

  • Induz maior investimento nos cuidados parentais e pode diminuir o sucesso reprodutivo.

  • A generalidade das espécies adquire habituação à presença humana. 


Os estudos realizados com grupos da fauna revelaram alguns impactes positivos, como o uso dos trilhos para caçar ou como corredor para deslocações durante a noite. Pequenos passeriformes nidificam mais na proximidade do trilho, talvez pela menor frequência de predadores.

Caminhar com cães tem mais impactes sobre a fauna do que apenas pessoas. Curiosamente, birdwatchers ou fotógrafos de natureza causam mais impacte do que caminhantes, devido aos comportamentos mais intrusivos e de aproximação.

O comportamento dos caminhantes é um aspeto fundamental para minimizar a dimensão dos impactes. Ou seja, a degradação de um trilho ou o pisoteio da vegetação podem ser reduzidos à estreita faixa do trilho, desde que o caminhante tenha um comportamento responsável e siga as regras de uso dos trilhos, amplamente divulgadas.

O que leva uma pessoa a ter um comportamento mais ou menos responsável no trilho?
Algumas conclusões dos estudos sobre esta questão:


  • Place attachment ou sentido de pertença a uma região favorece comportamentos responsáveis. Uma ligação emocional com a paisagem e as pessoas é o fator mais determinante no comportamento no trilho. 

  • Curiosamente não se encontrou relação entre a dependência económica de uma região/paisagem e o comportamento responsável nos trilhos.

  • Pessoas que percebem que os seus comportamentos impactam o planeta e as gerações vindouras têm comportamento mais responsável. Ou seja, as pessoas que, na sua vida quotidiana, já integraram o cuidado com o planeta nas suas rotinas, serão mais responsáveis no trilho.

  • Há outros determinantes individuais: encontrou-se um comportamento mais responsável em pessoas com mais idade, com mais escolaridade e que caminham regularmente.

  • O mau estado dos trilhos induz comportamentos menos responsáveis.


caminhantes

Eis algumas medidas que as redes de trilhos tomaram, um pouco por todo o mundo, para induzir comportamentos mais responsáveis dos caminhantes:


  • Investir na Educação Ambiental de pessoas de todas as idades e não apenas nos jovens.

  • Adição de mensagens educacionais de baixo impacto nos trilhos.

  • Disponibilizar gatilhos, elementos que funcionam como lembretes, no local de partida. Por exemplo, nos alojamentos, na saída dos caminhantes, oferecem recipientes para lixo ou kits casa-de-banho, ou ainda uma conversa sobre as dificuldades do trilho e a forma de as ultrapassar.

  • Promover conexão das pessoas com o local, por exemplo conseguindo estadias mais prolongadas. Os agentes locais devem atuar como verdadeiros anfitriões que incentivam o “voltar”, o criar de relações com o território, incentivando a visita a etapas com menor afluência ou o regresso em estações do ano diferentes.


O estudo de monitorização de 2023 também indica algumas soluções que são adotadas para minimizar a degradação dos trilhos e evitar o uso de trilhos alternativos. 

Alguns trilhos alternativos podem ser aceitáveis se tiverem design sustentável e derem acesso a vistas deslumbrantes, pontos de sombra ou água. Não vale a pena tentar fechar trilhos quando sabemos que as pessoas os vão continuar a usar.

Contudo, devem fechar-se trilhos alternativos não aceitáveis por razões de conservação da natureza. Nesse caso podem usar-se:


  • Sinais e vedações simbólicas na entrada dos trilhos alternativos, que podem ser em materiais leves.

  • Ramos e folhada para esconder o trilho alternativo.

  • Barreiras à entrada – troncos, ramos.


Os especialistas em Ecologia da Recreação chamam a tenção que nunca se consegue ter recursos para manter todos os trilhos sem alguma degradação, pelo que é essencial avaliar em que segmentos é prioritário intervir. Para evitar a degradação dos trilhos, algumas estratégias possíveis são:


  • Ações de reforço do substrato com materiais que o endurecem e fixam.

  • Criação de bordaduras ou vedações para limitar o trilho.

  • Drenagem das zonas que encharcam.

  • Corte de vegetação para tornar o trilho conspícuo.

  • Em locais inclinados, fazer degraus com materiais naturais (pedra, madeira) para evitar erosão e alargamento do trilho. 

  • Em locais onde está a ocorrer erosão, usar pedra triturada, misturada com solo do local, posteriormente compactada. 


Em suma, a monitorização mostra que, de acordo com o previsto em 2013, ocorrem alguns impactes negativos da passagem mais frequente de pessoas sobre os trilhos. Esses impactes, na generalidade do território, limitam-se ao trilho e a uma estreita faixa adjacente. Alguns impactes negativos previstos não se registam para já, como é o caso da alteração das comunidades vegetais. Os habitats mais sensíveis são os dunares, de vegetação esparsa e areia solta e profunda. 

A Associação Rota Vicentina tem vindo a trabalhar em algumas medidas de minimização, como controle de invasoras, ações de voluntariado, motivação e formação dos padrinhos das etapas, sinalização mais eficaz dos trilhos oficiais, estratégias de comunicação baseadas na sensibilização ambiental, entre outras.

atividades de conservaçao

Para participar, consulte as próximas datas do calendário de voluntariado ou esteja atento às redes sociais. Até já! 🥾🌱

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Paula Canha

Paula Canha, bióloga, mestre em Biologia da Conservação, professora na Escola Secundária de Odemira. Vive no concelho de Odemira desde 1987. Os seus principais interesses são o conhecimento, divulgação e preservação dos valores naturais do sudoeste de Portugal. Participou em numerosos estudos ambientais, trabalhos de monitorização ecológica e cartografia de valores naturais. Colabora, entre outros […]

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