Lixo no Trilho dos Pescadores: de preocupação a problema
7 minutos de leituraNovo perfil de caminhantes, mais lixo no trilho
Celebrado em todo o mundo pela beleza das paisagens que atravessa, o Trilho dos Pescadores é um destino que não passa de moda, atraindo a cada ano que passa mais caminhantes. O número crescente de utilizadores e uma mudança aparente no seu perfil, trazem consigo um problema que tem vindo a tornar-se evidente: há mais lixo no Trilho dos Pescadores.
Não é um problema exclusivo dos trilhos da Rota Vicentina, mas tem vindo a tornar-se gradualmente mais visível a presença de lixo – particularmente papel higiénico e toalhitas sintéticas – no Trilho dos Pescadores.
Por causa do seu carácter “fotogénico e instagramável”, o Trilho dos Pescadores tornou-se um fenómeno de popularidade junto dos muitos que “querem usufruir da beleza do trilho e, em muitos casos, fazem aqui a primeira experiência de caminhada”, aponta a Presidente da Associação Rota Vicentina.
A questão do lixo sempre foi uma preocupação da Rota Vicentina. O Estudo de Monitorização Ecológica de 2023 detetou a presença pouco expressiva de duas marcas de lixo por trilho. Na altura, “sentimos que não era um problema”, adianta Marta Cabral. Então, o que mudou em tão pouco tempo? E porquê?
Um novo perfil de utilizadores
Para a Presidente da Associação Rota Vicentina, a mudança tem a ver com o número de caminhantes, mas também com uma alteração no seu perfil: “durante muito tempo o tipo de utilizador da Rota Vicentina era o caminhante experiente, com muita sensibilidade para as questões ambientais”. Agora parece ser diferente.
Famoso como é, o Trilho dos Pescadores chega ao conhecimento das pessoas em “alguns casos sem as informações e sensibilidades que lhe deveriam ser inerentes. Falta sensibilidade para estas questões e é muito difícil comunicar, porque, muitas vezes, não passam pelos nossos canais de informação”, refere.
O desafio perante esta situação “é que precisamos todos de crescer em conjunto como sociedade. Sabemos que cada pessoa acredita que o seu lixo ‘é só um’, que é difícil ter noção de escala e impacto global do nosso comportamento”, adianta.
Mobilização precisa-se!
Empenhada em fazer tudo o que está ao seu alcance para minimizar este problema, a Rota Vicentina tem vindo a desenvolver, desde a sua criação, processos de promoção dirigida, cuidada e com sensibilização associada em toda a rede de trilhos.
Além disso, promove caminhadas de voluntariado para a recolha de lixo, envolvendo cidadãos e voluntários num processo que tem tanto de mitigação como de sensibilização.
Mas há outras dimensões que podem ser exploradas. A sinalética no terreno poderá ser fortemente reforçada, exemplifica Marta Cabral, mas para isso seria necessário o envolvimento de entidades públicas para assegurar a respetiva manutenção. Atualmente, lembra, “a manutenção da sinalética existente representa já um peso expressivo para a capacidade da Associação.”
A instalação de WC’s ao longo dos trilhos tem sido apontada como uma possível solução, mas a sua existência implicaria garantir um serviço de manutenção e limpeza eficaz que, neste momento, “o território não está a assegurar”, adianta Marta Cabral.
“Sabemos que não temos capacidade de controlar grande parte do que acontece nos trilhos e contamos com todas as iniciativas, indivíduos e organizações para nos ajudarem a gerir esta situação, é uma responsabilidade de todos, como é de todos o carácter público deste caminho”.
E conclui: “estamos a aprender, como anfitriões, como habitantes deste lugar, como comunidade e coletivo de trabalho, a fazer face a estes fenómenos, sem perder a esperança no turismo como lugar de aprendizagem, troca e acolhimento.”
Notícias publicadas:
Rádio Castrense
Sul Informação
Larissa Ohl: “É preciso reforçar a sinalização do Parque Natural”
Bióloga marinha de formação, guia de natureza por escolha, Larissa Ohl, da Hike in Alentejo, empresa Associada da Rota Vicentina, percorre os trilhos que conhece em profundidade, desde 2019.
A presença crescente de lixo no Trilho dos Pescadores é, para ela, uma evidência: “o problema do lixo não era tão grave antes, as pessoas tinham uma certa consciência ecológica e levavam o lixo consigo. Infelizmente, isso não se tem verificado agora, sobretudo nos grupos que vêm sem guia e que, na minha opinião, muitas vezes nem se apercebem que estão dentro de um Parque Natural”.
Larissa defende que um reforço da sinalização no perímetro do Parque podia ajudar a condicionar a atitude dos caminhantes em relação aos cuidados a ter, mas compreende que esta não é uma questão específica do Trilho dos Pescadores.
“O problema é global, muitos caminhantes com quem falo dizem que nos seus países é igual, mas com uma diferença: há muitas empresas que oferecem um saco para as pessoas porem o papel higiénico dentro”, exemplifica.
A questão do papel higiénico é a mais premente. “O outro tipo de lixo não se encontra. As pessoas lancham, fazem piqueniques, mas levam consigo esses detritos. Muitas vezes não têm noção do impacto que causa. Pensam que é só um papel que desaparece”.
Na qualidade de guia de natureza, Larissa abre as suas caminhadas explicando aos visitantes as sensibilidades e as especificidades do território onde se encontram.
Um cuidado que, segundo ela, nem todos os operadores turísticos têm. “Há muitas empresas a verem isto como uma forma de fazer dinheiro rápido, trazem viaturas cheias de pessoas, muitas vezes não respeitando a regra que proíbe grupos com mais de 15 pessoas. A marca Rota Vicentina vende bem”.
Há, portanto, muito trabalho de sensibilização a fazer, nomeadamente junto dos operadores turísticos, mas também no reforço da vigilância e na preservação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) a cargo do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), uma entidade, que segundo Larissa, devia estar mais comprometida com os problemas com que o Parque Natural se debate.
E apela para uma “mobilização, um trabalho conjunto” de todas as entidades com responsabilidades no Parque Natural para encontrar soluções para os problemas identificados.
A Margarida é meia tripeira, meia alfacinha. É do Porto, mas viveu muitos anos em Lisboa. Vem do mundo do jornalismo, onde começou a carreira, tendo depois transitado para a área da comunicação institucional e assessoria de imprensa. Amante de palavras, gatos e filmes, tem vindo a descobrir no Alentejo um destino cheio de revelações.
