Lixo no Trilho dos Pescadores: um problema inadiável

11 minutos de leitura

Rota Vicentina promove campanha de alerta e sensibilização  

O aumento do número de caminhantes no Trilho dos Pescadores e uma aparente mudança no seu perfil trouxeram ao território novos desafios. O lixo deixado pelos caminhantes tem aumentado exponencialmente — sobretudo papel higiénico e toalhitas —, contaminando a paisagem e degradando os frágeis ecossistemas que compõem o património natural da costa sudoeste. Para a Rota Vicentina, este fenómeno exige uma resposta urgente, concertada e em várias frentes. Uma campanha de sensibilização e alerta está em curso. 

Acompanhando uma tendência já identificada noutros locais do mundo, o Trilho dos Pescadores tem vindo a sofrer, nos últimos dois anos, um agravamento acelerado da presença de lixo ao longo do percurso.

Um fenómeno que é já recorrente nas queixas que chegam à Rota Vicentina por parte de muitos utilizadores e que Sara Serrão, presidente da Associação, atribui a diferentes fatores: “Há mais pessoas a viajar, mais interesse em experiências, mais divulgação nas redes sociais, maior notoriedade da Rota Vicentina”, muito particularmente “o Trilho dos Pescadores, que exerce um fascínio irresistível para os mercados do centro e norte da Europa e mesmo de outras geografias”. 

Mas não só. Há um outro fenómeno já identificado — o das excursões de visitantes que vêm caminhar por um dia, em grandes grupos. Neste consumo rápido de “etapas estrela” da Rota, as pessoas “não só não sabem que estão numa área protegida, como é o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), como desconhecem por completo os valores naturais que existem e que importa preservar”, refere. 

Grupo de pessoas a recolher lixo nas dunas de areia

O que levanta várias interrogações, quer em termos práticos — como “lidar com esta situação, como a evitar, como a resolver” —, quer reputacionais. “Em treze anos de Rota Vicentina, nunca tínhamos chegado aqui”, sublinha Sara Serrão, para quem esta questão tem o potencial de comprometer “a boa vontade e a boa publicidade que a Rota Vicentina tem vindo a criar”. E, com ela, todo o trabalho feito em prol da região ao nível do “desenvolvimento sustentável do turismo de natureza, redução da sazonalidade, criação de oportunidades de projetos e investimento e fixação de populações num território que era considerado desertificado”. 

Uma campanha multimodal 

Por onde começar, então? Para a presidente da Rota Vicentina, há um grande trabalho a fazer ao nível do envolvimento e da comunicação ambiental sobre o que se pode e não se pode fazer numa área protegida. 

Para além das ações de sensibilização e recolha de lixo que realiza no terreno durante todo o ano com voluntários, a Rota Vicentina está a ultimar uma campanha informativa e de sensibilização sobre a presença de lixo nos trilhos, que vai envolver novos e diferentes suportes: 

– Folheto apelativo, explicativo e de sensibilização para a recolha do lixo, em seis línguas (alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e português), para distribuição massiva junto de associados, caminhantes, operadores, feiras internacionais e público em geral; 

– Mapa digital
com a sinalização e localização das instalações sanitárias e bebedouros públicos existentes ao longo do trilho; 

– Instalação estratégica de sinalética
no Trilho dos Pescadores apelando à recolha do lixo em locais de paragem de autocarros turísticos, concentração de caravanas e passagem de caminhantes; 

– Campanha de sensibilização
em todos os canais de comunicação da Rota Vicentina, designadamente no blog e nas redes sociais.

É o princípio de um longo caminho, onde há “enorme margem para o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas na qualidade de entidade gestora do PNSACV, assumir um papel mais ativo e interventivo”, refere Sara Serrão, que deposita no recém-aprovado Plano de Cogestão do Parque Natural “grandes expectativas”. E conclui: “Só se cuida o que se conhece, e acredito que, neste aspeto, há muito por onde melhorar.” 

Planta endémica do Sudoeste

Ecossistemas ameaçados 

Qual é, afinal, o impacto que o lixo descartado pelos caminhantes tem num território tão particular quanto aquele que é atravessado pelo Trilho dos Pescadores? 

A singularidade da costa sudoeste não se limita às paisagens. Esta é uma das regiões mais ricas em termos de flora no território nacional, como lembra o biólogo André Carapeto, fundador do portal Flora-On e uma das vozes mais conceituadas quando se fala de botânica e questões ambientais. 

André Carapeto é claro: “A costa sudoeste é um dos territórios mais especiais que temos para a flora em Portugal.” É aqui que se encontra, lembra, um terço da flora existente em Portugal continental, correspondente a 1 100 espécies de plantas identificadas. “Destas, quase meia centena é endémica da região, ou seja, só se encontra na costa sudoeste”, refere. 

São espécies que germinam nas arribas, mais precisamente nas dunas mais antigas que se formam atrás delas. E, porque estão extremamente bem adaptadas a solos arenosos e com baixa matéria orgânica, são as primeiras vítimas do lixo, do pisoteio e dos dejetos humanos que alteram a composição do solo, tornando-o viável para outras espécies generalistas. 

“Estamos a falar de habitats que, às vezes, são tão pequeninos ou já estão tão degradados que só resta uma manchinha, e que perdem a sua vantagem competitiva nestes solos que passam a ser colonizados por espécies que tanto podem nascer na berma dos caminhos, na cidade, na floresta ou em terrenos abandonados”, refere. 

E conclui: “Quando substituímos essas pequenas bolsas únicas da costa sudoeste por comunidades que podiam estar em qualquer outro lado, perdemos o valor biológico e o património natural exclusivo e endémico que temos.” 

Placa indicativa de trabalhos em curso no exterior

Restaurar as dunas e salvar as sementes 

As marcas de lixo no Trilho dos Pescadores são a face mais visível de um problema de pressão humana sobre as dunas, que é bem mais vasto e envolve não só o pisoteio e os atravessamentos clandestinos para as praias, mas também as espécies invasoras e o impacto das explorações agrícolas nestes ecossistemas, entre outras. 

Perceber a escala do que está a acontecer é crucial para intervir no terreno. E é isso exatamente que a Mossy Earth, organização parceira da Rota Vicentina, está a fazer com o projeto Dune Restoration (restauro de dunas), que vai arrancar, para já, em duas zonas-piloto: os Alteirinhos e a Foz dos Ouriços. 

“Trata-se de mapear não só as pressões a que essas áreas estão sujeitas, mas também os habitats e as espécies-chave que ali existem. Vamos usar drones e vamos também recorrer a camera traps e outros aparelhos bioacústicos para gravar os sons das aves, por exemplo”, explica Francisco de Sousa, coordenador do projeto, do qual a Rota Vicentina também é parceira. 

O objetivo é o levantamento sistemático de toda a zona costeira entre o Malhão e Odeceixe, para identificar as áreas prioritárias de intervenção, seja no combate às espécies invasoras — acácias e chorão-da-praia —, seja na consolidação e delimitação dos trilhos. 

O projeto prevê também, a longo prazo, a recolha de sementes de espécies dunares para propagação em viveiro. “Vamos fazer testes para ver como propagar estas espécies e criar um stock de plantas recolhidas nestes locais para, depois das intervenções, replantar, reduzindo assim o risco de erosão e aumentando a competição com as espécies invasoras”, conclui. 

O lixo não morre, polui

Tempo de Decomposição do Lixo nos Trilhos

Tipo de Lixo Tempo de Decomposição* Resultados / Impactos da Decomposição
Papel higiénico, guardanapos, lenços de papel 2–4 semanas em ambiente húmido; pode demorar meses em dunas As fibras secam e demoram mais a decompor-se; papéis branqueados podem libertar químicos tóxicos.
Toalhitas Meses a anos Fragmentam-se em microplásticos e libertam aditivos químicos potencialmente tóxicos.
Dejetos humanos ou animais Semanas a meses (mais rápido se enterrados) Podem conter patógenos e nutrientes em excesso (fósforo, azoto).
Beatas de cigarro Até 10 anos ou mais Libertam metais pesados e microplásticos; poluem solo e água.
Latas de alumínio 80–200 anos O alumínio pode lixiviar para o solo, afetando flora e fauna.
Garrafas de vidro Até 1 milhão de anos Fragmentos podem ferir fauna e permanecer indefinidamente.
Garrafas e tampas de plástico 500–1000 anos Decompõem-se em microplásticos persistentes e libertam químicos tóxicos.
Embalagens de cartão 3 meses (ideal) a vários anos (em dunas) Revestimentos plásticos e tintas podem libertar microplásticos e químicos perigosos.
Embalagens ou sacos de plástico 10–20 anos (finos) até centenas (grossos) Fragmentam-se em microplásticos e libertam aditivos tóxicos.

*Nota: O ambiente dunar, devido à secura, exposição solar e baixo teor de matéria orgânica, prolonga o tempo de decomposição. O vento e as variações de temperatura podem acelerar a fragmentação, mas não a degradação total.

Fontes: 

Degradation Rates of Plastics in the Environmenthttps://pubs.acs.org/doi/10.1021/acssuschemeng.9b06635
The Content of Heavy Metals in Cigarettes and the Impact of Their Leachates on the Aquatic Ecosystemhttps://www.mdpi.com/2071-1050/14/8/4752
Micro e nanoplásticos: um macroproblemahttp://hdl.handle.net/10400.1/19968
Environmental toxicity and decomposition of polyethylenehttps://doi.org/10.1016/j.ecoenv.2022.113933 

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Margarida Portugal

A Margarida é meia tripeira, meia alfacinha. É do Porto, mas viveu muitos anos em Lisboa. Vem do mundo do jornalismo, onde começou a carreira, tendo depois transitado para a área da comunicação institucional e assessoria de imprensa. Amante de palavras, gatos e filmes, tem vindo a descobrir no Alentejo um destino cheio de revelações.

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