A Rewilding Portugal e o Grande Vale do Côa

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 O que pode este movimento rewilding fazer pelo (eco)turismo?

A Rewilding Portugal já estava no meu radar há algum tempo e o convite para integrar um dos painéis do Congresso Experience(Coa) sobre turismo de natureza em contexto selvagem/rewilding chegou em muito boa hora! À saída da Caravana Re-Rural, e antes de me entregar ao Plano de Comunicação do novo consórcio ID Sudoeste, estava particularmente  inspirada e conectada com o tema.

O local foi Pinhel, no Grande Vale do Côa, e comecei a minha apresentação por referir a minha visita a Foz Côa há uns anos atrás e como me impactou a visita nocturna às gravuras. Foi um dos momentos que mais me conectou com um Portugal selvagem, de há 30 mil anos atrás, antes de sermos sedentários, agricultores e activos transformadores da paisagem, mas já com histórias que chegaram fisicamente até nós. Foi na altura uma “viagem”, que apenas posso comparar com as que as falésias da Costa Vicentina me proporcionam: também aí, facilmente, viajo no tempo e consigo visualizar um Portugal muito antigo, primal, selvagem.

Conhecia mal a Rewilding Portugal mas uma primeira leitura dos materiais à entrada do evento esclareceu-me: muda a ordem, mas as questões são sensivelmente as mesmas. Com foco na Década do Restauro Ecológico 2020-30, está mais ou menos tudo por fazer e o ICNF mantém-se ausente de uma efectiva conservação da natureza – que dizer do restauro! A ideia de que não podemos continuar a fatiar os territórios com fronteiras e pelouros concorre com o conceito One Health: está tudo ligado e precisamos de restaurar a saúde dos ecossistemas dos quais somos parte integrante. A economia do futuro (que começa hoje!) tem de estar assente na natureza e no seu equilíbrio.

Marta Cabral a falar para uma audiência

À procura do verdadeiro ecoturista

O pressuposto desta organização é o de introduzir algumas espécies chave e práticas que ajudem o ecossistema a regenerar-se. Os grandes predadores e os grandes herbívoros reequilibram a cadeia alimentar e a paisagem e, claro, têm um potencial turístico determinante. Como dizia o Marco Ferraz “temos um cenário de natureza fantástico, mas faltam os actores”. A dimensão cultural com o envolvimento das comunidades foi frequentemente referida e cruzar o calendário popular com o das várias espécies emblemáticas pode ter um potencial único.

Assisti a um território a começar por onde estamos nós, no Sudoeste, e tentar chegar: a regeneração da paisagem e dos ecossistemas para então chegar ao turismo. Parece-me um bom caminho, mas o certo é que uma e outra dimensão são de difícil domínio e o turismo sabe ser bem mais predatório do que lobos ou linces.

Pela minha parte, levantei questões e alertas. A necessidade de irmos mais fundo nos pontos que ligam o território ao turista, procurando o verdadeiro ecoturista, o que está comprometido com o território e quer deixar o seu contributo. Em detrimento do fast ecotourist que quer coleccionar mais um destino e cenários, entra e sai sem impacto positivo (nem sequer para si próprio!) e tantas vezes com um pequeno rasto de marcas negativas de que nem se apercebe. Como dizia o Manuel Franco, o greenwashing distingue-se do greenwishing pelas intenções, mas o resultado não é muito diferente.

Um grupo de pessoas em circulo no campo

Falamos de uma anunciada mudança de paradigma que não será fácil e requer sabedoria. Reforcei o compromisso da Rota Vicentina em investir de forma continuada na qualidade da cooperação, não apenas ao nível territorial, mas com projectos, entidades e colectivos em todo o país. De facto, a mudança urge e uma estratégia concertada de colaboração pode ter um efeito acelerador na regeneração, conexão e ampliação dos territórios afectados.

A Rewilding Portugal, sob a alçada da Rewilding Europe, apresenta-se com uma força de acção impressionante, com capacidade de capitalização, de comunicação e de mobilização.  A realidade está do seu lado: é preciso restaurar a conexão das pessoas com os ecossistemas, e os ecossistemas em si. Áreas a perder de vista ou micro-bioreservas, tudo é válido se avançarmos neste desígnio.

"Os jovens querem agir!"

Se tiver que eleger um momento chave, foi a resposta do João Almeida da European Young Rewilders à pergunta “como vêem os jovens todas estas questões que temos estado a debater aqui?”. Ele foi claro: “os jovens não estão interessados em projectos e dossiers: querem, agir, querem fazer. Envolver jovens – ou segui-los! – é um imperativo, são eles que conseguem um olhar crítico, fresco e algo liberto do que nos trouxe até aqui.

No Sudoeste, uma das áreas mais selvagens é a faixa litoral, e essa está sob séria ameaça. As florestas autóctones são a esperança do território, podendo ser exploradas economicamente de forma diversificada, sustentável e no imediato. Não temos grande predadores, mas temos grandes herbívoros que podem ser gradualmente substituídos por raças autóctones e rústicas. O sistema agro-florestal ou agro-silvo-pastoril é uma aposta com futuro. Comida local, responsável, saudável e com sabor a esta terra.

Restauremos a esperança num futuro verde, vivo, vibrante, conectado, acolhedor, abundante. Está totalmente nas nossas mãos!

Fotos: Cláudio Noy

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Marta Cabral

Presidiu à Associação Rota Vicentina durante 12 anos e hoje assume as Relações Estratégicas e Inovação, que é o mesmo que dizer, foco na cooperação e na criatividade.  

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