Os bastidores de uma actividade de conservação da Natureza (parte 2)
8 minutos de leituraChorão-da-praia: o planeamento e estratégia de intervenção nas áreas-piloto da Rota Vicentina
Nas áreas-piloto da Rota Vicentina, as intervenções de conservação focam-se sobretudo nas duas espécies invasoras com maior prevalência e impacto nestes habitats naturais: a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) – de que já falámos aqui – e o chorão-da-praia (Carpobrotus edulis).
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Continuando a desvendar mais sobre os bastidores de uma actividade de conservação da natureza, vamos falar agora sobre o planeamento e estratégia de intervenção para o chorão-da-praia.
O chorão-da-praia é uma planta suculenta, rasteira, muito comum de se encontrar nos ecossistemas dunares, junto a estacionamento da praia ou no caminho até la. Tem uma flor amarela ou rosa-vivo o que leva muitas pessoas a quererem levar para casa ou para o seu jardim. Por favor, não o faça! Esta é uma planta invasora e ao transportá-la só estará a contribuir para o aumento da sua distribuição geográfica.
As plantas invasoras são uma ameaça real à biodiversidade e para os ecossistemas porque competem agressivamente com as nossas plantas autóctones e toda a cadeia que depende delas e também têm elevados impactos negativos nos recursos naturais.
Para esta espécie, a melhor técnica de controlo, aliás a única aconselhada a executar, é o arranque manual, independentemente do tamanho, do tipo de solo onde cresce e da localização.
Ainda assim, importa conhecer bem a planta e os cuidados a ter, nos seus diferentes estágios de desenvolvimento e planear a intervenção consoante o local e dimensão da área de invasão:
❌ Evitar pisar ou perturbar a flora ameaçada ou mais sensível existente em redor
❌ Evitar percorrer zonas de vegetação densa e sempre que possível, escolher trilhos existentes, zonas sem vegetação ou cobertas de plantas invasoras (ex: o próprio chorão-da-praia)
❌ Não deixar as raízes das espécies removidas em contacto com o solo
❌ Não transportar plantas invasoras do local de remoção
❌ Não transportar indivíduos com sementes
O chorão forma tapetes densos, sobretudo em zonas dunares, cobrindo o solo e impedindo a regeneração natural das espécies autóctones. O chorão chega mesmo a trepar sobre outras espécies, nomeadamente espécies arbustivas com o porte do zimbro-galego, “sufocando-as” e tapando-lhes a luz solar que as alimenta.
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O chorão-da-praia é extremamente eficaz a cobrir o solo. A sua introdução na costa tinha como objectivo o controlo da erosão das areias litorais em zonas críticas, sem vegetação autóctone. Contudo, a flora autóctone que naturalmente habita estes ecossistemas sensíveis, é tão ou mais eficaz que o próprio chorão, nessa mesma função e ainda lhe acresce outras funções importantes, como retenção de água e formação de solo.
A predominância de chorão-da-praia torna as áreas monoespecíficas e com decréscimo de valores ecológicos e paisagísticos, pondo ainda em causa a biodiversidade de espécies endémicas e raras, com diferentes valências e das quais dependem inúmeras espécies de fauna.
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É tendo em conta a protecção dos ecossistemas de maior sensibilidade, e para evitar a erosão das areias, que se categorizam as duas principais formas de intervenção em áreas de chorão:
1. REMOÇÃO ENTRE A VEGETAÇÃO NATIVA
Nas zonas de ecossistemas naturais, deve ser feito o controlo de núcleos de chorão extensos ou pontuais localizados entre a vegetação autóctone com maior ou menor densidade. Será mais prioritário, quanto maior o número de espécies endémicas ou ameaçadas existirem, especialmente em áreas cobertas com vegetação de porte herbáceo.
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Em situações de vegetação densa e de porte arbustivo, deve evitar-se o pisoteio indiscriminado ou a multiplicação de trajectos, pois o chorão aproveita qualquer “abertura” de caminho para se estender ou instalar. Deve procurar-se caminhar e pisotear só e apenas, no topo de manchas e corredores de chorão, aproveitando possíveis zonas abertas nas dunas, para atacar os núcleos adjacentes que tentam irromper essas manchas naturais.
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É nas áreas de vegetação espaçada e com grande dispersão de núcleos de chorão, que se devem focar os esforços com grupos de voluntários numerosos. Desde que a vegetação autóctone tenha uma presença de, pelo menos, 25% na matriz dessas áreas, o arranque do chorão deve ser feito, seguindo a metodologia e os cuidados abaixo descritos:
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Quando bem aplicada, esta técnica é bastante eficaz em controlar os núcleos de chorão. Ao libertar espaço no solo, a vegetação nativa envolvente, rapidamente se expande e recoloniza essas áreas, dificultando o ressurgimento do chorão. Ainda assim, a capacidade do chorão em se propagar por semente, continuará a ser uma ameaça. É importante reconhecê-lo na sua fase pós-germinação e procurá-lo sobretudo junto a tocas de pequenos mamíferos, que inconvenientemente adoram petiscar os seus frutos.
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2. CONTROLO DE ÁREAS SEM VEGETAÇÃO
Quando as manchas de chorão são demasiado grandes e a vegetação nativa é escassa e dispersa, ocupando menos de 25% da área total de intervenção, o arranque do chorão, sem aplicação de medidas de mitigação da erosão, é desaconselhado.
Estas áreas extensas de chorão surgem, sobretudo, em zonas dunares degradadas, submetidas a mobilizações de solo, atravessamentos de viaturas na costa ou em áreas agrícolas abandonadas, em que além da eliminação do coberto vegetal natural, ocorreu a dispersão por fragmentação das plantas de chorão*.
*Nota: A propagação de plantas através de fragmentos (caule, raíz, bolbos, ou qualquer outra parte) denomina-se por propagação vegetativa e é uma forma de propagação assexuada, ou seja, não existe produção de semente e, consequentemente, nem o cruzamento de informação genética de plantas diferentes. A nova planta será como um clone da planta original.
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Nestas situações, a estratégia de intervenção deve ter em conta, a necessidade de prever plantações e sementeiras de espécies dunares (preferencialmente recolhidas ou propagadas duma zona dunar próxima), ou outras medidas de mitigação da erosão das areias. Por serem áreas muito extensas, também é preferível planear estas intervenções, por fases e com grandes números de voluntários (entre 15 a 30 pessoas), juntando comunidades em prol da recuperação dos ecossistemas dunares.
Com grupos de voluntários menores e especialmente, no âmbito das intervenções na área-piloto dos Charcos do Malhão, é possível, ainda assim, intervir nestas áreas. Devem escolher-se áreas limítrofes dessas grandes manchas, que contactem com zonas de vegetação natural, onde o banco de sementes e a vegetação nativa presente, ajude a recolonizar e a “avançar a linha” contra a mancha de chorão.
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De uma forma geral, independentemente da escolha da abordagem, o objectivo é dar o apoio necessário para que a vegetação nativa recolonize as áreas invadidas. A intervenção nestas áreas, deve ser sempre faseada, para evitar maiores impactos causados pela erosão do solo descoberto.
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Idealmente, aquando das intervenções, só se teria de lidar com uma das espécies alvo (chorão-das-praias e acácia-de-espigas), mas, o mais comum é encontrar o chorão-da-praia e acácia-de-espigas em cooperação na invasão. Por isso, é importante conhecer bem estas técnicas e fazer um bom planeamento e definição de estratégias a seguir.
É isso que é feito e testado para as áreas-piloto da Rota Vicentina, integrando os voluntários em missões organizadas, para recuperar a (nossa) paisagem e potenciar o esplendor da vegetação autóctone e dos ecossistemas naturais do sudoeste de Portugal. Fiquem atentos, no regresso da época de caminhadas e voluntariado, voltaremos ao ataque!
Arquitecta Paisagista de formação, sempre esteve ligada à Natureza. Leonor adora plantas, música, artesanato, desenhar e caminhar ao ar livre. O Alentejo é a sua casa.