Os bastidores de uma actividade de conservação da Natureza (parte 2)

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Chorão-da-praia: o planeamento e estratégia de intervenção nas áreas-piloto da Rota Vicentina

Nas áreas-piloto da Rota Vicentina, as intervenções de conservação focam-se sobretudo nas duas espécies invasoras com maior prevalência e impacto nestes habitats naturais: a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) – de que já falámos aqui – e o chorão-da-praia (Carpobrotus edulis).

Continuando a desvendar mais sobre os bastidores de uma actividade de conservação da natureza, vamos falar agora sobre o planeamento e estratégia de intervenção para o chorão-da-praia.

O chorão-da-praia é uma planta suculenta, rasteira, muito comum de se encontrar nos ecossistemas dunares, junto a estacionamento da praia ou no caminho até la. Tem uma flor amarela ou rosa-vivo o que leva muitas pessoas a quererem levar para casa ou para o seu jardim. Por favor, não o faça! Esta é uma planta invasora e ao transportá-la só estará a contribuir para o aumento da sua distribuição geográfica.

As plantas invasoras são uma ameaça real à biodiversidade e para os ecossistemas porque competem agressivamente com as nossas plantas autóctones e toda a cadeia que depende delas e também têm elevados impactos negativos nos recursos naturais.

Para esta espécie, a melhor técnica de controlo, aliás a única aconselhada a executar, é o arranque manual, independentemente do tamanho, do tipo de solo onde cresce e da localização.

Ainda assim, importa conhecer bem a planta e os cuidados a ter, nos seus diferentes estágios de desenvolvimento e planear a intervenção consoante o local e dimensão da área de invasão:

❌ Evitar pisar ou perturbar a flora ameaçada ou mais sensível existente em redor
❌ Evitar percorrer zonas de vegetação densa e sempre que possível, escolher trilhos existentes, zonas sem vegetação ou cobertas de plantas invasoras (ex: o próprio chorão-da-praia)
❌ Não deixar as raízes das espécies removidas em contacto com o solo
❌ Não transportar plantas invasoras do local de remoção
❌ Não transportar indivíduos com sementes


O chorão forma tapetes densos, sobretudo em zonas dunares, cobrindo o solo e impedindo a regeneração natural das espécies autóctones. O chorão chega mesmo a trepar sobre outras espécies, nomeadamente espécies arbustivas com o porte do zimbro-galego, “sufocando-as” e tapando-lhes a luz solar que as alimenta.

O chorão-da-praia é extremamente eficaz a cobrir o solo. A sua introdução na costa tinha como objectivo o controlo da erosão das areias litorais em zonas críticas, sem vegetação autóctone. Contudo, a flora autóctone que naturalmente habita estes ecossistemas sensíveis, é tão ou mais eficaz que o próprio chorão, nessa mesma função e ainda lhe acresce outras funções importantes, como retenção de água e formação de solo.

A predominância de chorão-da-praia torna as áreas monoespecíficas e com decréscimo de valores ecológicos e paisagísticos, pondo ainda em causa a biodiversidade de espécies endémicas e raras, com diferentes valências e das quais dependem inúmeras espécies de fauna.

É tendo em conta a protecção dos ecossistemas de maior sensibilidade, e para evitar a erosão das areias, que se categorizam as duas principais formas de intervenção em áreas de chorão:

1.  REMOÇÃO ENTRE A VEGETAÇÃO NATIVA

Nas zonas de ecossistemas naturais, deve ser feito o controlo de núcleos de chorão extensos ou pontuais localizados entre a vegetação autóctone com maior ou menor densidade. Será mais prioritário, quanto maior o número de espécies endémicas ou ameaçadas existirem, especialmente em áreas cobertas com vegetação de porte herbáceo.

Em situações de vegetação densa e de porte arbustivo, deve evitar-se o pisoteio indiscriminado ou a multiplicação de trajectos, pois o chorão aproveita qualquer “abertura” de caminho para se estender ou instalar. Deve procurar-se caminhar e pisotear só e apenas, no topo de manchas e corredores de chorão, aproveitando possíveis zonas abertas nas dunas, para atacar os núcleos adjacentes que tentam irromper essas manchas naturais.

É nas áreas de vegetação espaçada e com grande dispersão de núcleos de chorão, que se devem focar os esforços com grupos de voluntários numerosos. Desde que a vegetação autóctone tenha uma presença de, pelo menos, 25% na matriz dessas áreas, o arranque do chorão deve ser feito, seguindo a metodologia e os cuidados abaixo descritos:

Quando bem aplicada, esta técnica é bastante eficaz em controlar os núcleos de chorão. Ao libertar espaço no solo, a vegetação nativa envolvente, rapidamente se expande e recoloniza essas áreas, dificultando o ressurgimento do chorão. Ainda assim, a capacidade do chorão em se propagar por semente, continuará a ser uma ameaça. É importante reconhecê-lo na sua fase pós-germinação e procurá-lo sobretudo junto a tocas de pequenos mamíferos, que inconvenientemente adoram petiscar os seus frutos.

2. CONTROLO DE ÁREAS SEM VEGETAÇÃO

Quando as manchas de chorão são demasiado grandes e a vegetação nativa é escassa e dispersa, ocupando menos de 25% da área total de intervenção, o arranque do chorão, sem aplicação de medidas de mitigação da erosão, é desaconselhado.

Estas áreas extensas de chorão surgem, sobretudo, em zonas dunares degradadas, submetidas a mobilizações de solo, atravessamentos de viaturas na costa ou em áreas agrícolas abandonadas, em que além da eliminação do coberto vegetal natural, ocorreu a dispersão por fragmentação das plantas de chorão*.

*Nota: A propagação de plantas através de fragmentos (caule, raíz, bolbos, ou qualquer outra parte) denomina-se por propagação vegetativa e é uma forma de propagação assexuada, ou seja, não existe produção de semente e, consequentemente, nem o cruzamento de informação genética de plantas diferentes. A nova planta será como um clone da planta original.

Nestas situações, a estratégia de intervenção deve ter em conta, a necessidade de prever plantações e sementeiras de espécies dunares (preferencialmente recolhidas ou propagadas duma zona dunar próxima), ou outras medidas de mitigação da erosão das areias. Por serem áreas muito extensas, também é preferível planear estas intervenções, por fases e com grandes números de voluntários (entre 15 a 30 pessoas), juntando comunidades em prol da recuperação dos ecossistemas dunares.

Com grupos de voluntários menores e especialmente, no âmbito das intervenções na área-piloto dos Charcos do Malhão, é possível, ainda assim, intervir nestas áreas. Devem escolher-se áreas limítrofes dessas grandes manchas, que contactem com zonas de vegetação natural, onde o banco de sementes e a vegetação nativa presente, ajude a recolonizar e a “avançar a linha” contra a mancha de chorão.

De uma forma geral, independentemente da escolha da abordagem, o objectivo é dar o apoio necessário para que a vegetação nativa recolonize as áreas invadidas. A intervenção nestas áreas, deve ser sempre faseada, para evitar maiores impactos causados pela erosão do solo descoberto. 

Idealmente, aquando das intervenções, só se teria de lidar com uma das espécies alvo (chorão-das-praias e acácia-de-espigas), mas, o mais comum é encontrar o chorão-da-praia e acácia-de-espigas em cooperação na invasão. Por isso, é importante conhecer bem estas técnicas e fazer um bom planeamento e definição de estratégias a seguir.

É isso que é feito e testado para as áreas-piloto da Rota Vicentina, integrando os voluntários em missões organizadas, para recuperar a (nossa) paisagem e potenciar o esplendor da vegetação autóctone e dos ecossistemas naturais do sudoeste de Portugal. Fiquem atentos, no regresso da época de caminhadas e voluntariado, voltaremos ao ataque!

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Leonor Pires

Arquitecta Paisagista de formação, sempre esteve ligada à Natureza. Leonor adora plantas, música, artesanato, desenhar e caminhar ao ar livre. O Alentejo é a sua casa.

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